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  • Elizabeth Christina Cotta Mello

HOMENAGEM PARA O DIA 08 DE MARÇO: DIA DA MULHER

Como sabemos as águas e em seus variados tipos são pela tradição associadas ao relacionamento, ao sentimento, aos afetos e ao feminino. Nesse escrito a ideia é falar do mito Eco e Narciso. No Tarô mitológico as cartas de copas numeradas de um até dez estão associadas ao mito Eros e Psiquê. E as da corte estão relacionadas aos mitos das diferentes águas. Hoje em homenagem à Mulher que carregou ao longo dos séculos a responsabilidade pelo feminino, pelo amor e pela beleza, segue esse escrito sobre o mito de Eco e Narciso. Esperamos que mais homens ajudem a trazer à luz essa temática e as mulheres continuem tão criativas com as várias águas que refletem, que fluem e que transformam. Lembremos que esse mito fala além da relação entre pessoas em geral, sobre a necessidade do terapeuta de poder ecoar bem no seu lugar de terapeuta.Sobre o mito abaixo indicamos uma leitura. O Mito Eco e Narciso


Os autores consideraram os mitólogos Robert Graves, Rene Ménard e do brasileiro Junito de Souza Brandão.http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_2008_06_narcisismo_no_mito_grego.htm


Refletindo sobre o mito

Águas

Sobre a água e seus símbolos nesse mês de março podemos lembrar que: “Na natureza, é novamente a água que vê, é novamente a água que sonha. [...] O lago fez o jardim. Tudo se compõe em torno dessa água que pensa." (BACHELARD, 1989, p. 14). Tão logo nos entregamos inteiramente ao reino da imaginação, com todas as forças reunidas do sonho e da contemplação, compreendemos a profundidade do pensamento de Paul Claudel: "A água, assim, é o olhar da terra, seu aparelho de olhar o tempo." (CLAUDEL apud BACHELARD, ibid, p. 33).


Em síntese “As significações simbólicas da água podem reduzir-se a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência” (CHEVALIER & CHEERBRANT, 1997, p. 15). Logo, toda a psicologia do elemento tem em si também a sua patologia envolvida com estes temas. A ideia alquímica da operação da água está associada também ao mito de Dioniso, e o fato que ele é um deus estrangeiro e não aceito em sua fluidez e natureza na cultura ocidental. Pelo menos o fato de ter sido nomeado e a relevância de seu mito na filosofia atual é importante. As águas estão associadas ao tema da solutio, na alquimia, e os temas de destruição pela loucura e desmembramento, maldição e caminho para a morte fazem parte dos temas de sentido de vida e aproximação da morte. Na verdade estamos diante do arquétipo da vida e da morte, e costumeiramente os deuses da morte estão envolvidos com o nascimento e renascimento. O batismo no rio ou na pia batismal fazem parte desse elemento. Há um entrelaçamento destes temas (ibid). A fonte ao contrário, é para Bachelard um caminho aberto... O espelho da fonte é, pois, motivo para uma imaginação aberta. O reflexo um tanto vago, um tanto pálido, surge uma idealização. Diante da água que lhe reflete a imagem. Narciso sente que sua beleza continua que ela não está concluída, que é preciso concluí-la. Os espelhos de vidro, na viva luz do quarto, dão uma imagem por demais estável. Tornarão a ser vivos e naturais quando pudermos compará-los a uma água viva e natural, quando a imaginação renaturalizada puder receber a participação dos espetáculos da fonte e do rio. (BACHELARD, 1989, p. 24)


As Ninfas


No caso das Ninfas de Eco e Narciso podemos dizer que apesar de serem consideradas divindades menores a ninfa como divindade está associada aos variados lugares de águas, quedas d’agua como fontes, lagos. Como toda criação a ideia da água está conectada com destruição, com a operação solutio da alquimia e a simbólica de nascimento, dissolução, fertilidade: vida e morte. Cada tipo de água é uma simbólica e nos sonhos tem significados dentro da vida daquele sonhador.As ninfas em si eram também descritas como “os seres evanescentes a vida cristalina, o princípio energético vital que confere alma às coisas. Assim, elas animam tudo o que existe, representando o sopro espiritual de vida” (CAVALCANTI, 1998, p. 184). A vida material é o veículo de manifestação de seu aspecto divino. Cavalcanti fala dos Upanishade:


“O tudo não é amado por amor ao tudo; mas o tudo é amado por amor à Alma que está no tudo.”

“As criaturas não são amadas por amor às criaturas; mas as criaturas são amadas por amor à Alma que há nas criaturas” (ibid).

As diferentes águas em nós simbolizam a anima e a relação. Nesse sentido que a anima, permite “o acesso às profundezas anímicas, traz para a consciência as paixões, as emoções, os afetos mais profundos assim como as fantasias e a imaginação criativa.” (CAVALCANTI, op. cit., p. 184) Sendo que a “beleza só pode ser revelada pelo amor, e o amor exige e envolve a ligação” (ibid, p. 185).

Exemplos do Jung, lembrado pela autora, da Beatriz de Dante, e o aspecto destrutivo do Anjo azul, do filme onde o professor na sua vida não cede espaço para a anima, são modelares. Em outro momento seria muito interessante o estudo do Mito Eros e Psique falando mais profundamente sobre os vários tipos de relação terapêutica e os processos psíquicos através de livros de Jung (2017,1 e 2017,2) e Von Franz (1999). Lembremos que Jung, ao longo de sua obra, em um primeiro momento articulou o conceito de anima com a psicologia masculina, porém em uma segunda fase, dinamismo, em si, fala da Anima Mundi e alma é entendida aqui especialmente nesse sentido.

A ninfa tem o sentido de ligação psíquica, como a simbólica de todas as águas, como qualquer Eros, seja Greco-romano ou hindu, como Kama-deva e seu objeto pontiagudo. (MELLO, 2000). Berry toca em dois pontos fundamentais: um sobre as origens. A origem do nascimento do mito Eco e Narciso. Hera, simbólica da permanência e do amor instituído se confronta com o que podemos chamar do amor “instituinte”, Eco. Hera é aquela que mantém, e ainda é a maior soberana, simboliza um modo da consciência coletiva, preocupando-se basicamente com o domínio, controle amplo das coisas com “sua inclinação [...] por fatos, forma e ordem, e portanto ela é uma grande literalista (interpreta as coisas literalmente).” (ibid, p. 2) Para Hera os ritos são fixos, Berry afirma que ela inclui a ordem social: “o baile de debutantes, o bar-mitzvah, a festa de noivado” e completaríamos a deusa que é símbolo do casamento e serve ao estabelecido, dispondo-se para “tornar as coisas instituídas” (ibid). A beleza nesse mundo é o que é manifestado. A beleza para Eco é muito diferente d beleza de Eco: uma beleza mais insubstancial, delicada, indireta, de Eco (ibid). Aqui a estética da beleza em Eco, é de espaços vazios. Este vazio ou silêncio – vazio em um evento, a fata em uma manifestação – dá forma à Eco. Aqui estamos entre dois lugares de olhar as relações.Antes, no início do mito Eco sabia falar muito bem, e enquanto falava com Hera, Zeus tinha relações com as ninfas. "Enquanto Eco conversa com Hera na passagem de Ovídio, uma fertilidade como a do amor livre ocorre na obscuridade”. (ibid)

As palavras escondem e revelam, como é lembrado pela autora.



Narciso e a relação


Outra origem, que precisamos lembrar, é a etimologia de Narké estudada por Junito Brandão. Junito fala do Narké (1988) e aponta para esse torpor, esse narcótico. Para que haja mudança, a estética da beleza em Narciso é entorpecer-se. Para amar, em um primeiro momento é natural uma identificação, um certo encanto, que as vezes chamamos de “participação mística”, mesmo nas relações terapêuticas (VON FRANZ, 1999). Com o tempo percebemos mais a realidade na pessoa de quem estamos apaixonados, e o mais doloroso e ainda mais essencial, passamos a ver e a entender nossas fantasias, projeções e até (co-) dependência, se for o caso.Falar de amor e de afeto catalizador, como faz Nise da Silveira (2015) é falar de criação e criatividade: o motivo está também nos mitos, Eros é sempre uma divindade cosmogônica, como as Deusas Mães como Afrodite, Marias e Iemanjá. Deusas das águas e origens variadas dessa simbólica de amores e paixão. Ao longo dos séculos as Deusas, Ninfas ficaram responsáveis por esse feminino afetivo em nós. O mito Eco e Narciso falam disso: Apesar da ninfa Eco não ser original nem originadora (Berry, op cit.), ela tem um papel essencial de tornar possível a geração: “Quando Eco fala, Hera está distraída, Zeus dá origem”: Zeus é um semeador do masculino de mulheres e homens, nesse sentido que aqui é interpretado. Hera, cuida da ordem social e dos ritos de passagem de nosso Olimpo interno, também tem o seu valor, Diz Berry (ibid): precisamos dar também crédito para Hera, até para a sua inabilidade de entender que Eco a distrai para Zeus semear os variados tipos de águas e belezas das outras Ninfas. O estabelecido é um oposto ao que é potencial. Entre o estabelecido e o por vir há uma tensão natural:

[...] tensão entre a forma, a continuidade, o manifesto, o passado, a tradição, por um lado, e o perverso, o insolente, o ilegítimo, e o novo do outro. Esta tensão é o que dá ao novo o sentido de algo estranho (e original), e que ademais requer do novo que ele também chegue formalmente a um acordo, em algum momento, de uma maneira ou de outra (ibid, p. 3).

O segundo aspecto fundamental é que, como disse Jung, em seu livro “O Eu e o inconsciente”, edição de 2017, 3, a repetição em uma relação em geral, de transferência, não é fixação fortuita. Há uma necessidade mais profunda de transformar e apontar um novo caminho. Repetimos para aprender a fazer de novo e de forma diferente. Berry (op. cit.) também lembra esse ponto: Essa busca mais profunda de Eco, eu também vejo em cada relacionamento que deu errado, em cada sintoma que resiste ao terapeuta e à terapia. Quem não tem sombra não tem tridimensionalidade, quem não tem conflito ou sintoma não traz a transformação que faz renascer: a semente precisa sempre morrer para renascer em folha, flor e fruto. Eco deseja Narciso, essa Narké, como sabemos pela etimologia (BRANDÃO, 1988): “Eco deseja essa beleza da profundeza auto-refletida” (BERRY, ibid, p. 5). Cada vez que Eco repete, ela não o faz de qualquer maneira: esse talvez seja o ponto mais importante. Fechemos com isso a homenagem:

“Mais tarde quando ela tenta se aproximar de Narciso, ele grita ‘Mantenha as mãos longe! Não me abrace! Prefiro morrer antes que eu lhe dê poder sobre mim’ ‘Que eu lhe dê poder sobre mim’ Ecoa Eco. Portanto o eco não é só o eco de alguma coisa, mas também um tipo de resposta que completa a palavra em si”.A proposta aqui é imaginar: que o poder vire potência de criação, que o poder não seja só de destruição do outro, do estabelecido. Que a vida permita esse acordo da simbólica agrária, onde podar precisa ser com cuidado de si. Que não cuidemos do outro quando ele já não é mais criança, mas que possamos estar juntos nesse processo, onde o poder seja potencial para criar, sem deixar fugir o ato de amar.

REFERÊNCIASBACHELARD, G. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1989.BERRY, P. Eco e Beleza, mimeo, tradução, s/dBRANDÃO, J. Mitologia Grega, Petrópolis: Vozes, 1989.CAVALCANTI, R. Mitos da água – As imagens da alma no seu caminho evolutivo. São Paulo: Cultrix, 1998.CHEVALIER, J. & CHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos – mitos, sonhos, costumes, gostos, formas, figuras, cores, números. 11. ed., Rio de Janeiro: José Olimpio, 1997.EDINGER, E. F. Anatomia da Psique. São Paulo: cultrix, 1990.JUNG, C. G. Ab-reação, Análise dos Sonhos, Transferência. Petrópolis: Vozes, 2017, 1.__________. Mysterium Coniunctionis. Petrópolis: Vozes, 2017, 2.__________. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2017,3.MELLO, E. C. C. Estudo diferencial de Eros, Amor e Paixão in Aquila – Universidade Veiga de Almeida, ano IV, número 7, Rio de Janeiro, Janeiro/junho de 2000, p. 106-120.SILVEIRA, N. Imagens do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2015.VON FRANZ, M.L. – Psicoterapia. São Paulo: Paulus, 1999.

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